terça-feira, 9 de junho de 2009

Drummond


Os Ombros Suportam o Mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.

Tempo de absoluta depuração.

Tempo em que não se diz mais: meu amor.

Porque o amor resultou inútil.

E os olhos não choram.

E as mãos tecem apenas o rude trabalho.

E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.

Ficaste sozinho, a luz apagou-se,

mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.

És todo certeza, já não sabes sofrer.

E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?

Teus ombros suportam o mundo

e ele não pesa mais que a mão de uma criança.

As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios

provam apenas que a vida prossegue

e nem todos se libertaram ainda.

Alguns, achando bárbaro o espetáculo

prefeririam (os delicados) morrer.

Chegou um tempo em que não adianta morrer.

Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.

A vida apenas, sem mistificação.

Pausa para Janis Joplin

Imagem: Cy Twombly , Os italianos , 1961
Summertime




sexta-feira, 5 de junho de 2009

Espelho, espelho meu....


Esses dias um incauto aluno, não mais criança, nem jovem abordou-me. Acha-me linda.
Pegou-me distraída, o rapaz. Os cabelos brancos que decidi deixar aparecer. As marcas mais claras do rosto, a cabeça. A cabeça? Esta é uma cabeça branca. De mulher madura. O que fazer com a minha distração?

Clarice Lispector


Hoje de manhã na Universidade fui ter com minha amiga Ana, que está na difícil posição de chefa de departamento. Ela e eu também. Somamos conversas. Por fim ganhei dela este texto da Clarice Lispector que sempre chamo de a minha preferida. A Ana sempre me arranja remédios bons. Saí da sala com a alma lavada.
Por não estarem distraídos


"Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles.
Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles.
Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração.Como eles admiravam estarem juntos!
Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros.
O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali.
Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram.
Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos."(Clarice Lispector)

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Os condenados da terra


Fiz o curso de Ciências Biológicas entre 1974 a 1977, USP. Em Ribeirão Preto, SP. Lembro-me mudando de cidade. De Porto Ferreira, SP para Ribeirão, separada geograficamente por 150 Km, e psicologicamente por séculos. Saia dos braços da família. No curso de Ciências Biológicas aprende-se o que não aprendemos na escola. É básico. Tive professores fantásticos. Minha orientadora Madalena Telles, da zoologia. Estudei moscas de frutas. Tive outro professor importante, o Tarso. Com ele, decidi-me a sair da biologia. Sai de Ribeirão Preto para a Unicamp. Comecei a fazer Ciências Sociais. Curso inconcluso. Não me lembro como conheci o livro de Franz Fanon. o livro, Os condenados da terra. Comprei-o aqui em Maringá, PR, em 1986. Edição de 1979. Fanon: negro, nascido na Martinica em 1920, psiquiatra, publicou Os Condenados da Terra em 1961. Do que ele fala? de algo que me atrai e incomoda. Da humilhação que a colonização impõe aos povo, aos pobres, aos desempregados. No caso, Fanon fala da humilhação imposta pela colonização francesa ao povo argelino. O prefácio de minha edição foi feito por Sartre. Da antiga Editora Civilização Brasileira (segunda edição, 1979).


Um trecho do livro:

A favela consagra a decisão biológica do colonizado de invadir custe o que custar e, se for necessário, pelas vias mais subterrâneas, a cidadela inimiga [...]. As prostitutas, essas também, as criadas de 2.000 francos, as desesperadas, todas estas e todas as que evoluem entre a loucura e o suicídio, vão reequilibrar-se, vão por-se em marcha e participar de maneira decisiva do grande cortejo da nação renascida. (p. 107)

Gramática...


Doravante, passarei a publicar neste Blog os artigos do Professor José Augusto Carvalho. Publico-os no Blog da Marta Bellini, essa que vos escreve. Como os artigos são ótimos e refletem uma preocupação e prazer meus, aqui serão também apreciados. José Augusto Carvalho é professor de linguística na Universidade Federal do Espírito Santo. Não o conheço pessoalmente, mas já o tenho como amigo. Saúde!

A GRAMÁTICA ESQUECIDA
José Augusto Carvalho
A revista Istoé nº 2023, de 13 de agosto de 2008, nas páginas 44-5, trouxe uma reportagem intitulada “É faculdade, mas parece colégio”, em que denuncia a imaturidade emocional e o despreparo intelectual dos universitários. As faculdades acabam transmitindo aos seus alunos noções básicas de português e de matemática, porque eles pouco ou nada aprenderam no curso médio. Os universitários acabam aprendendo (quando aprendem) no curso superior o que deveriam ter aprendido no segundo grau.
Tenho insistido na cobrança de gramática, mas até o vestibular aderiu à moda do Enem, formulando questões em todas as disciplinas com base num único tema geral. Em relação à língua portuguesa, o que se nota é que as questões se centralizam na interpretação de texto, em que o candidato é obrigado a escolher a resposta que condiz com o que a banca interpretou empobrecendo o texto, por reduzir à paráfrase denotativa o que é rico em conotações e em leituras múltiplas.
Soube por um amigo que, numa escola reputada como excelente, uma coordenadora entrou numa sala de aula de cursinho onde um professor ministrava lições de gramática portuguesa e disse, na frente do professor, desautorizando-o, que os alunos não precisavam estudar nada daquilo, porque as questões de português, no vestibular, eram todas de interpretação de texto. Felizmente, naquele ano, fiz parte da banca, e insisti em gramática, na maioria das questões. Os cursinhos reagiram chamando de “traição” o fato de se terem exigido questões gramaticais!
O desconhecimento da gramática, por conta de um ensino deficiente, produziu uma consequência desastrosa: até mesmo professores formados desconhecem regras básicas de concordância e de coesão textual. Os universitários, por sua vez, aprendem toda a difícil metalinguagem linguística, mas não sabem distinguir o sujeito de uma oração. Linguistas sem preparo filológico ou sem maturidade atacam a gramática em livros demagógicos e cheios de erros doutrinários, inclusive linguísticos, como os de Marcos Bagno (A língua de Eulália, Preconceito lingüístico, Dramática da língua portuguesa, entre outros), que dizem aquilo que os professores querem ler e ouvir, mas não aquilo que deveriam saber. E tais livros são adotados não por terem algum mérito, que certamente têm, mas por fornecerem ao docente os argumentos de que precisa para justificar suas ideias preconcebidas.
Duas das soluções que preconizo mas que certamente não serão levadas em conta são: a primeira é a de que o vestibular deva ser por área ou, se se mantiver o vestibular unificado, a de que as provas sejam sequer (isto é, pelo menos) discriminadas por disciplina; e a segunda é a de que as redações dos vestibulandos devam ser corrigidas por professores de português que efetivamente entendam do riscado. Sei de pelo menos um professor que tem a audácia de participar da banca de correção das redações de vestibular e que não só manifesta de público sua ojeriza à gramática, mas também escreve mal, cometendo erros grosseiros de português em quase tudo que escreve, de tal forma que mal consegue redigir uma lauda sem cometer pelo menos um erro crasso.
Não entendo por que se devam pedir noções de química, de biologia, de física ou de geografia a um vestibulando que pretende fazer Direito ou Letras. Antes dessa aberração que é o vestibular unificado, cada faculdade tinha seu próprio vestibular e exigia conhecimentos pertinentes à área profissionalizante de sua especialidade. Não é por saudosismo que preconizo o retorno ao vestibular por área, mas por amor a um ensino mais eficiente e a um curso superior mais adequado às necessidades do aluno que o procura.
O resto é demagogia ou garantia de fracasso acadêmico

terça-feira, 2 de junho de 2009

O espelho índio

Imagem: esqueci-me de onde captirei.
Em 1995 encontrei um livro de uma editora desconhecida (espaço e tempo, do Rio de Janeiro). Título: O espelho índio. Os jesuitas e a destruição da alma indígena. Autor? Roberto Gambini. De 1988. Sei que foi reeditado e está com mais ilustrações e mais páginas.


O livro descreve a história de José de Anchieta e Manoel da Nóbrega no Brasil de 1500 no meio de índios brasileiros. Descreve a incompreensão dos jesuítas ao modo de ser indígena. Fala de 1549 quando vieram jovens dois padres com uma "atitude espiritual, uma clara noção de dever e responsabilidade um forte comprometimento com um programa de ação, regras precisas e uma prática religiosa estabelecida" (p. 96).

O que encontram no Brasil? Adultos que brincavam (lembram-se de Shiller? "O homem só é verdadeiramente homem quando brinca")...


Eis um trecho do livro (p. 129):


O animal repudiado está também por trás da incapacidade de apreciar e compreender a alegria de viver do índio ao brincar, cantar, dançar e beber. Não seria nem preciso penetrar no significado ritual de tais práticas, bastaria aceitá-las pelo que são - mas isso só consegue quem de alguma forma lhes conhece o gosto. Quem já não sabe brincar não admite brincadeira alguma.

Octavio Paz


Em 2003 encontrei em um sebo de São Carlos, SP, o livro de Octavio Paz. O labirinto da solidão. Editora Paz e Terra. Uma edição de 1976.


Um trecho do livro:
Ao iniciar minha vida nos Estados Unidos, residi algum tempo em Los Angeles, cidade habitada por mais de um milhão de pessoas de origem mexicana. À primeira vista, o que supreende o viajante - além da pureza do céu e da feiúra das construções suntuosas e dispersas - é a atmosfera vagamente mexicana da cidade, impossível apreender com palavras ou conceitos. Esta mexicanidade - gosto pelos adornos, descuido e fausto, negligência, paixão e reserva - flutua no ar. E digo flutua porque não se mistura nem se funde com o outro mundo, o mundo norte-americano, feito de precisão e eficácia. Flutua, mas não se opõe; balança, embalada pelo vento, às vezes desgarrada como uma nuvem, outras vezes erguida como um foguete que sobe. Arrasta-se, dobra-se, expande-se, contrai-se, dorme ou sonha, formosura esfarrada. Flutua: não acaba de ser, nem acaba de desaparecer.